sexta-feira, 2 de julho de 2010

Tradição que sobrevive: Benzedeira atrai região para Bauru

"Como você está?", pergunta, com um abraço e um sorriso nos lábios. É assim, carinhosa, que a benzedeira Nadir Gomes da Silveira, de 76 anos, recebe quem vai até sua casa, no Aimorés, em busca de auxílio.
Vestida de branco, pede pra que me sente. O quarto surpreende, as crenças se mesclam. No "altar", rosários e santos católicos dividem espaço com Iemanjá, velas e fotografias de pessoas que já passaram por ali. Na parede, imagens de Jesus Cristo, do índio "Caboclo", e do "Preto Velho". Até Padre Marcelo Rossi está lá.
Admirada, "acordo" com ela pedindo pra que me concentre. Com a mão sobre minha cabeça, começa a rezar: Pai Nosso... Ave Maria... e outras palavras que às vezes soam como sussurros...
Depois das orações, enfim o diagnóstico. Quando necessário, ela ensina simpatias, oferece chás e a garrafada. De onde vem tanto conhecimento? "Não aprendi com ninguém. É um dom que Deus me deu". A mulher conta que descobriu seu poder de cura aos 14 anos e desde então jamais negou ajuda a alguém. "Eu era jovem e nem sabia. Quando punha a mão na cabeça de uma criança "ruim", ela melhorava. Depois disso nunca mais tive sossego, mas sou feliz", afirma.
Dona Nadir tem uma explicação pela grande procura desse "serviço": "Elas (as pessoas) vem aqui porque às vezes vale mais um benzimento que o remédio de farmácia. A fé remove montanhas, ela que vale e faz curar", acredita. Silveira revela que já tratou até de médicos, mas a maioria ainda vê com preconceito esse tipo de procedimento. E frisa: "Trabalho dentro da lei", ao comentar a procedência dos chás e apontar um alvará que autoriza o comércio de ervas e plantas medicinais. Somente a "garrafada" é produzida por ela.
A rezadeira diz que há poucos "colegas" atuando na cidade. "É difícil o dom que a tia tem. Tem alguns que trabalham na linha certa e na errada. A tia não. Eu só luto pra salvar as pessoas, um lar, "pegar" um serviço. Só pra pessoa ser feliz", explica.
Com a idade avançando, Dona Nadir preocupa-se em encontra um discípulo. "Vou lutar pra passar pra alguém. Tenho três filhas videntes, mas elas não querem nem saber. Não é fácil, não é qualquer um que tem o dom", lamenta.

Fama da rezadeira movimenta o Aimorés

Dona Nadir recebe em média 40 pessoas por dia, a maioria de Bauru e região. A família de João Antonio de Paula, de Pederneiras, conhece a benzedeira há 27 anos. O homem revela que já esteve ali por duas vezes, não em busca de cura, mas porque acha que "de vez em quando faz bem". "Quem vem muito é minha filha, Gisela, que hoje trouxe minha netinha Taíse", conta.
Gisela já esteve no local por pelo menos cinco vezes, e naquela manhã trouxe a filha que apresentava pequenas bolhas na pele. "Já levamos no médico, mas ele não sabia direito o que era, só receitou uma pomada, mas não resolveu", disse a mãe. Sua esperança é que a rezadeira indicasse algum "remédio" ou ensinasse alguma oração que a curasse. "Ela é atenciosa, sempre recebe a gente bem", destaca. A mulher também veio em busca de uma simpatia que melhorasse sua bronquite. "Espero que ela passe hoje (quinta-feira), porque senão teremos que voltar amanhã", disse João, ao explicar que algumas simpatias só podem ser ensinadas às sextas-feiras.
Pietro Ângelo Alexandre, tio de João, também "vive cheio de problemas". Além de diabetes, tem reumatismo, mal do qual já foi curado pelas rezas e os chás de Dona Nadir. "Os remédios do médico nunca deram resultado, mas da última vez que estive aqui, há alguns anos, ela me receitou os chás e a garrafada. Eu melhorei, mas como não continuei o tratamento, os problemas voltaram", justifica Alexandre.


Cura pros males do bolso e da alma

Além dos benzimentos e chás para problemas de saúde, Dona Nadir também recebe pessoas em busca de solução para seus problemas amorosos e, principalmente, trabalho. "O povo está louco por emprego. Aqui eu ensino a oração de Santo Expedito e a pessoa consegue".
No altar, junto com os santos e velas, há muitas fotografias, cartas, cópias de documentos e folhetos de propaganda de empresas que buscam sucesso financeiro. A benzedeira explica que não cobra por nenhum desses serviços, exceto o "responso". "Faço pedido pra namorado, mas esse eu cobro, R$ 15,00", informa.
Emílio da Silva, morador do Ferradura Mirim, é um dos que procura trabalho. "Vim pra arrumar um serviço", explica com fé, contando que sua família sobrevive com a aposentadoria de um de seus cinco filhos, que é doente. "Estava quase conseguindo um serviço. Quando disse onde morava, não deu certo", revela. Para Emílio, os piores males da humanidade são "a desigualdade, o preconceito e o desprezo".

Serviço: Dona Nadir atende de segunda à sexta, das 7h às 17hs, exceto nos feriados de Corpus Christi, Nossa Senhora Aparecida, Finados e Semana Santa.


Ervas medicinais ainda disputam mercado com remédios industrializados

O costume de utilizar ervas medicinais para curar doenças ainda é forte em Bauru. É o que se nota ao andar pela área central da cidade. Nas proximidades do calçadão, há pelo menos cinco "erveiros" - profissionais que comercializam essas plantas.
Celina Gomes da Silva, que possui uma banca de produtos naturais, conta que em 21 anos de atuação nunca soube de alguém que tenha passado mal ao utilizar os chás. Ela atribui o sucesso da fitoterapia ao fato de ser uma prática largamente utilizada, de resultados comprovados pela cultura popular.
Com o conhecimento adquirido ao longo dos anos, Celina sabe quais as ervas recomendadas pra cada caso. E demonstra sua notoriedade. Durante a reportagem, recebeu uma ligação pedindo que indicasse a melhor para o tratamento da artrite, ao que, imediatamente, respondeu: "Unha-de-Gato". Também receitou as folhas de Melissa pra uma cliente que procurava um calmante.
A maioria de sua clientela é composta por famílias das classes média e baixa. Celina diz que parte deles não tem acesso aos serviços médicos, ou quando tem, são ineficazes. Além disso, os preços dos chás ficam entre R$ 2,00 e R$ 5,00, diferentemente dos remédios industrializados, bem mais caros.

Dias contados
Mas, segundo Celina, a "medicina popular" está com os dias contados. Nos últimos meses, a vigilância sanitária intensificou a fiscalização e proibiu o comércio dessas mercadorias, alegando que é preciso haver um farmacêutico no local. Esperançosa, ela diz que vai tentar se unir com outros erveiros e recorrer, pois não tem condições de manter um profissional na banca, já que o pagamento de seu salário lhe custaria bem mais do que sua própria renda mensal. E afinal, "não tem porque proibir, nunca fez mal a ninguém", insiste.
Situação semelhante é vivida pelo ex-ambulante Sidmar Aguiri, o Natal, que há 6 anos comercializa produtos naturais. Há 4 anos, Natal conseguiu se estabelecer numa loja próxima à Praça Rui Barbosa. Segundo ele, "o chá dava dinheiro", mas há 8 meses deixou de comercializá-los, temendo os fiscais. "Agora só vendo temperos e cereais", explica.

Na lei
De olho nos clientes deixados pelos erveiros, muitas farmácias e drogarias expõem, lado a lado com os remédios industrializados tradicionais, as embalagens de ervas medicinais.
Entre as pioneiras está uma farmácia de manipulação, localizada no Calçadão da Batista. Há mais de 20 anos a empresa atua no comércio de produtos naturais, sempre com a presença de um profissional, mesmo antes da exigência da Diretoria de Saúde.
Para a farmacêutica Elaine Caroline Carlos, apesar de algumas ervas terem sua eficácia conhecida pela população, algumas ainda "tem efeitos não comprovados cientificamente, e podem até ser perigosas", alerta.
Como exemplo, cita o Hypericum Perforatum, conhecido como Erva de São João. "Ele atua como anti-depressivo, mas pode ser tóxico se não for usado corretamente. Por isso só vendo com receita médica", informa, acrescentando que alguns médicos costumam recomendar o uso de plantas medicinais ao seus pacientes. "São poucos, mas há pessoas que chegam aqui com receita", revela.
Para a consumidora assídua de fitoterápicos, Maria Neide Godoi Peral, as farmácias são mais confiáveis. "Aqui eu tenho a garantia da procedência dos chás. E alguns são muito parecidos, só o profissional pode reconhecer", explica. Maria conta que nunca utilizou produtos dos "erveiros", mas caso seja necessário, o fará somente se for uma planta que ela saiba reconhecer.



A matéria foi produzida para uma disciplina, da faculdade de jornalismo, mas acabou sendo publicada também na sessão Foca Online, da revista e portal Imprensa. O link é http://portalimprensa.uol.com.br/portal/foca_online/2006/05/22/imprensa3128.shtml. Só fico triste por não ter nenhuma foto da ocasião para ilustrar a matéria aqui também...

Eles nunca vêem o sol!




São Paulo, terra dos contrastes. Adentrando a principal metrópole do país, essa é a única definição que nos vêm à mente. Ao lado do glamour, dos grandes edifícios e outdoors que impressionam qualquer pessoa vinda de uma pequena cidade, centenas de barracos espremidos em encostas, as chamadas favelas, depósito de gente, dos filhos renegados. Sim, esquecidos. No universo do individualismo, não pensamos em mais ninguém. Nem neles. A não ser quando nos encaram de frente, na desigualdade estampadas nos congestionamentos das marginais: carrões e belas mansões protegidas por selvas artificiais convivem pacificamente ao lado dos pequenos casebres.
Mas o que será que tanto atrai na metrópole? Qual a sua magia? Seria o mito das oportunidades, a idéia de vencer em São Paulo, cidade que parece absorver qualquer pessoa que chegue com vontade de mudar de vida. Pelo que se vê, a realidade não é assim. As pessoas são jogadas, tal qual num grande depósito humano. Talvez reserva, para toda necessidade, seja pra conseguir votos, fazer merchandising ou mão-de-obra barata, se necessária.
Lá no famoso bairro Morumbi, por exemplo, na região que abriga a Rede Globo, um dos meios de comunicação mais poderosos, além de outros bancos, hotéis pode-se observar o paraíso e o inferno da capital. Dois mundos separados por um rio. Essa é a visão.
No shopping, que talvez dê o que comer a essa gente, um misto de encantamento e assombro. Como podem as diferenças conviver tão próximas. Tanto luxo e beleza para quem? Para uma parcela ínfima. Aqui a beleza para o pobre é só o brilho das lojas, grifes, vitrines. O resto não é vida. É correria, atropelo. É viver pra trabalhar e trabalhar pra viver. Dizem que essa metrópole nunca dorme, mas também, quem poderia dormir em meio a tanta desigualdade?
No mundo dos executivos, intelectuais, formadores de opinião, que sequer olham pra realidade a qual descrevem. Ao contrário, esbarram, a análise mais clara a respeito da vida nesse mundo de sedução e espanto surge da boca de um motorista. Numa conversa, um amigo lhe diz: “Aqui a vida nunca pára, eles sequer vêem o tempo passar”, ao que ele responde: “É, mas eles nunca vêem o sol!”.



Crônica, produzida em 2003, quando eu cursava jornalismo, para a disciplina de rádio, do professor Chamadoira, tendo como inspiração uma visita que eu fiz à capital, em busca de um estágio, quando a possibilidade de viver na cidade da garoa me chocou... a foto que ilustra a crônica encontrei numa rápida pesquisa no banco de imagens do Google, atribuida a T uca Vieira

Meu nome é superação!



Quem estava acostumado a ver Cuba Gooding Jr atuando somente em comédias ou filmes policiais deve ter se surpreendido com seu desempenho no emocionante Meu nome é Rádio (EUA, 2003). Cuba, no filme do diretor Michael Tollin interpreta um deficiente mental, chamado James Robert Kennedy, que sofre com o preconceito dos moradores da cidadezinha em que vive e com o deboche dos alunos do colégio por onde costumava passear.
Sua vida se resumia a rotina de perambular pelas ruas com um carrinho de supermercado, onde carregava tudo de interessante que encontrasse no caminho, sem ser realmente visto pelas pessoas, a não se como um obstáculo do qual deviam se desviar. Mas tudo começa a mudar quando ele conhece o técnico do time de futebol americano e professor da escola Harold Jones, interpretado por Ed Harris, que é o primeiro a enxergar o ser humano que há ali, naquele garoto que costumava observar de longe seus treinos.
Contudo, a aproximação dos dois se dá depois que James é humilhado por alguns jogadores do time, trancado num pequeno depósito. Harold encontra o jovem assustado, chorando num canto e fica comovido. O fato aqui serve bem de alegoria, exemplificando todo tipo de desrespeito que a sociedade geralmente dispensa aos que chamam de diferentes. Depois do episódio o homem sente que precisa ajudar aquele garoto, o qual não sabe sequer o nome, já que ele era de falar pouco. Sendo assim, Harold decide chamá-lo de Rádio, já que ele gostava muito desse objeto.
E assim os laços entre os dois vão se estreitando e o técnico se revelar um verdadeiro salvador, divisor de águas na vida de Rádio, responsável por sua inclusão. Mas esse processo não foi nada fácil. O professor enfrenta muitas pessoas e sua intolerância na tentativa de fazer com que Rádio tenha uma vida normal. Além de chamar Rádio para ser seu assistente no time, ele passa a convidá-lo para frequentar suas aulas no colégio. E Rádio, para seu orgulho, se dá bem em todas as situações, e evolui, passando até mesmo a conversar mais. Isso nos mostra como às vezes o que falta para uma pessoa é uma oportunidade, alguém que acredite em seu potencial, e que a olhe com um olhar mais humanizado.
Porém ,a mãe do jovem James desconfia dessa aproximação. Pudera, estava acostumada somente com os maus tratos e preconceitos, de uma cidade que desviava e fugia de seu filho quando o encontrava nas ruas, como se ele fosse um criminoso. Aqui ela representa também aqueles pais despreparados, ou com vergonha de seus filhos, situação corrente até os dias de hoje. Sabe-se que existem muitos deficientes reclusos em suas casas, por conta do medo que seus familiares tem da reação da sociedade, ou por pensarem que eles não serão capazes de levar uma vida normal.
Até mesmo a diretora mostra sua falta de preparo para lidar com a situação. Se no fundo tinha vontade de ajudar Rádio, não sabia lidar com o preconceito dos pais e com seus próprios temores em relação ao comportamento do garoto. Acreditava mesmo que seu convívio com seus outros alunos “normais” poderia ser perigoso. A situação ilustra bem o fato de que o maior problema hoje do processo de inclusão não é a falta de estrutura, mas o desconhecimento, o medo que muitos professores tem dos alunos que apresentam necessidades especiais. No fundo todos sabem que todos tem direito a educação e ao tratamento igual, mas ninguém sabe muito bem como lidar com isso e sentem-se desconfortáveis em lidar com uma pessoa com problemas mentais, por medo de suas reações e por acreditarem que eles não serão capazes de aprender. Ignoram o fato de que eles podem sim ter suas habilidades desenvolvidas, algumas até certo ponto, mas que principalmente tem direito ao respeito e a convivência com a sociedade.
E no filme o persistente Harold consegue provar para mãe de Rádio que suas intenções são as melhores, de consertar algo que acredita ser errado – o fato do jovem ser excluído da sociedade. Já com a diretora o processo foi mais difícil, visto que com o tempo os pais vão até ela reclamar, do temor que sentem em relação ao jovem, e que o time da escola não está bem por conta de sua influência, dizendo que o melhor era afastá-lo do convívio com outros jovens. Harold, que praticamente havia adotado Rádio, chega até a pensar em largar o cargo, por conta do preconceito que sentem.
Se o filme choca, retrata bem o que sociedade faz com o diferente ou com aqueles que considera menores: mais velhos, doentes, outras raças ou com menor poder aquisitivo. E a situação se agrava quando a pessoa apresenta mais de uma dessas características, como na cena em que Rádio sai distribuindo os presentes que ele ganhou no natal. A polícia o prende: como um negro e com problemas mentais poderia distribuir tantos presentes? Mais um ponto para ser discutido.
Mas o bom é que com o passar do tempo Rádio passa a ser cada vez mais querido pelas pessoas. Na verdade as trata melhor do que ele é tratado. Assim, em certa altura do filme, um dos personagens diz que não são eles que estão ensinando Rádio, mas sim que ele é que está lhes ensinando. E outra das lições que ele ensina é que devemos dar mais importância a família, aos laços e contato humano.
Rádio, enfim, retrata a maioria das pessoas, que apesar de serem humanos, por vezes de coração enorme, não são tratadas com o mínimo de respeito, tampouco carinho, como acontece com deficientes, negro, velhos, pobres e outras pessoas que acabam sendo diminuídas nesse mundo do ter, do preconceito, da intolerância. E o filme nos mostra a diferença que uma amizade, um olhar amoroso e o mínimo de atenção faz na vida de uma pessoa, podendo transformar realidades. Tanto que no final temos a mensagem de superação, e Rádio hoje é um dos melhores técnicos de futebol americano. E essa é a grande mensagem do filme, que todos somos capazes, basta que nos dêem uma oportunidade e um olhar mais humano.

Resenha do filme Meu nome é rádio, produzida para a disciplina de Comunicação e expressão