quarta-feira, 13 de abril de 2011

Atividade sobre o texto “Um pouco de história: origens e expansão do português”, do livro “O português da gente – a língua que estudamos, a língua que falamos”, de Rodolfo Ilari e Renato Basso, produzida para a disciplina Morfossintaxe

Análise temática

No texto “Um pouco de história: origens e expansão do português”, para falar sobre a evolução da língua os autores Rodolfo Ilari e Renato Basso recorrem não só ao período de vida do que conhecemos como português, mas fazem uma viagem até suas origens latinas, mostrando-nos que existiram três variedades de latim: o eclesiástico, o literário e o vulgar, sendo que nossa língua derivou desse último, assim como o francês, o espanhol e o italiano.
Ilari e Basso nos contam como a língua foi se estruturando, evoluindo nas suas características sintáticas e fonéticas, afirmando que sua riqueza de flexões nominais e verbais são heranças latinas. Os autores defendem que não houve rupturas entre a língua falada na sociedade portuguesa, anterior ao descobrimento do Brasil, e a que se fala hoje, mas sim uma evolução. Não há mudanças bruscas, mas graduais, até porque uma língua só morre quando não existem mais falantes nativos. O que ocorre na verdade é uma transformação, devido ao seu dinamismo.
E todas essas explicações vem acompanhadas dos fatos históricos que as desencadearam. Assim, eles procuram relacionar o surgimento e evolução do latim com a expansão do império Romano; as invasões bárbaras com o aparecimento de novos falares; a ocupação árabe e o fato de usarmos várias palavras originárias dessa cultura, ainda que o movimento de Reconquista tenha expulsado esses povos daquela região. E em meio a tudo isso a nossa língua vai se formando, adquirindo as características que tem hoje, que a tornam tão rica.
Já o período das grandes navegações colaborou para a difusão, ainda que imposta, do português, que em troca recebeu a influência dos falares dos povos colonizados. Como efeito dessa lusitanização, hoje o português é o oitavo idioma mais falado do mundo e, de acordo com os autores, só não é uma das língua oficiais da Organização das Nações Unidas (ONU) porque os países que o tem como língua oficial não tem peso político e econômico significativos, tampouco tecnologia avançada e um mercado para consumo de produtos midiáticos e editoriais. Devido a isso o português também não é muito procurado quando se trata de estudar um idioma estrangeiro, ainda que tenha sido muito estudado na França, por exemplo, até por conta do grande número de portugueses que migraram para lá.
Outro preocupação dos autores é de mostrar que existem controvérsias quando o assunto é o nascimento e periodização de uma língua, trazendo até uma tabela, com o ponto de vista de vários pesquisadores sobre as “eras” da língua portuguesa. E para mostrar de forma mais clara as modificações da língua, o livro é repleto de textos que as exemplificam.


Análise interpretativa

Se a proposta dos autores Rodolfo Ilari e Renato Basso era nos mostrar “Um pouco de história: origens e expansão do português” eles certamente podem comemorar, pois foram felizes nesse objetivo. Com um texto leve e linguagem simples, mas não sem os cuidados e a profundidade devida, eles nos guiam numa viagem até os tempos mais remotos de nossa língua e de forma didática nos trazem informações que muitas vezes não são transmitidas para os falantes durante sua formação, ainda que a título de curiosidade.
É interessante a forma como eles procuram relacionar as origens e a evolução da língua portuguesa com a história e os fatos que modificaram política e culturalmente a Europa, especialmente a região de Portugal, mas que também tiveram reflexos profundos na nossa língua, como a convivência com outros povos que fizeram com que até hoje usemos muitas palavras de origem árabe, ou ainda a influência que o castelhano teve na nossa fonética, por causa do período em que Portugal foi dominado pelos espanhóis, por exemplo.
Outro diferencial é que os autores buscaram enriquecer suas explicações com textos de diversos tipos das épocas retratadas no livro. Por isso, temos desde poemas até textos jurídicos; de textos noticiosos até a carta de Pero Vaz de Caminha, quando da chegada dos portugueses ao litoral brasileiro. Outras fontes esclarecedoras são a “árvore genealógica” do português e um quadro que esquematiza a periodização da língua de acordo com o ponto de vista de diferentes estudiosos.
Uma curiosidade é que desde o seu surgimento o português apresenta variações, vocabulário e escrita próprios, dependendo do público a que se dirige. Assim tínhamos o latim literário como língua dos documentos oficiais e os documentos destinados ao restante da população escrito nos falares cotidianos. Isso mostra que o domínio da língua era uma questão de diferenciação social, e que favorecia o contato com os documentos oficiais importantes. Afinal, aqueles que não tinham conheciam a norma culta da época acabavam não tendo acesso às leis, por exemplo, assim como ocorre até hoje. Isso serve para ilustrar a importância de se dominar todas as variantes da língua, especialmente a culta, adotada na produção científica e jornalística, ainda que em determinadas situações recorramos a outros falares. E para um futuro professor ter consciência disso é muito importante, pois só assim poderemos mostrar para os alunos mais um dos benefícios de se conhecer a norma culta. Ou seja, devemos ser poliglotas na nossa língua materna, como já disse Bechara. Compreendendo todas as informações disponíveis, em todas suas variantes, a língua não se torna mais um meio de dominação ou de exclusão social.
E já que o assunto é a diversidade linguística, outra consideração importante feita no livro é que o português não derivou do latim eclesiástico nem do literário, mas do vulgar, que era falado pelos soldados e comerciantes romanos durante as suas conquistas. Ou seja, o português é uma língua vernácula, o povo é que construiu essa língua e a tornou aquilo que ela é hoje, lapidando sua escrita e fonética. Portanto, não se deve encarar de forma tão negativa as mudanças, nem ser tão ortodoxo no que diz respeito a suas regras, especialmente na fala. Mesmo porque os teóricos da gramática normativa podem até “bater o pé”, mas não pode obrigar ninguém a segui-la fielmente.
Diante disso, devemos ser mais receptivos e encarar as mudanças com mais naturalidade, analisando o que elas trazem de bom para a comunicação e no que facilitam o uso diário do português, que no fundo é a verdadeira razão de ser de uma língua. Até porque que em pleno século XIV, quem diria que Vossa Mercê, na época forma de tratamento destinada exclusivamente ao rei, seria transformado e usado de cotidianamente pelo povo, tornando-se o pronome de terceira pessoa do singular mais comum: Você. Aliás, tal forma atualmente aparece escrita como “VC” ou mesmo “C”, devido a necessidade de agilidade na comunicação via internet, por exemplo.
Outra questão sobre a qual podemos refletir é o fato de que, apesar de o português ser a oitava língua mais falada do mundo, ele ainda não foi adotado como língua oficial da Organização das Nações Unidas (ONU). Percebe-se assim que o valor de uma língua está relacionado ao retorno comercial que seus falantes proporcionarão para o mercado, por exemplo, ou ainda a influência política de cada nação no mundo. Ou seja, pouco importa o lado humano, o número de pessoas que a falam, que a utilizam no dia a dia. O que interessa é o peso econômico e político, que faz com que línguas como o francês, que apesar de terem menor número de falantes, sejam escolhidas pela ONU, ainda que nesse caso ele seja considerado uma “línguas de cultura”. Em suma, novamente a língua é reduzida a mercadoria, a instrumento de exclusão.
Essa leitura é bastante prazerosa, especialmente para os interessados na língua, sua história, características, variações, curiosidades e possibilidades, inclusive de melhora do ensino, por meio dos questionamentos que suscita. E para os profissionais da área de Letras é uma fonte instigante, uma bela forma de iniciar suas pesquisas, dando um panorama geral sobre vários assuntos relacionados a língua, pois não é tão profundo a ponto de ser incompreensível para aqueles que nunca tiveram contato com o assunto, mas também não é superficial, é didático e traz informações novas e importantes com esmero, além do cuidado de indicar muitas fontes bibliográficas para futuras leituras. E apesar de ser considerado um livro técnico é muito agradável, daqueles que não conseguimos parar de ler.

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