quarta-feira, 13 de abril de 2011

A opacidade do discurso político
Dominique Maingueneau, professor da Universidade de Paris XII, analisou o discurso político do ex-candidato à presidência francesa, José Bové, durante palestra realizada na última terça, 14 de setembro de 2010, no teatro Véritas, da Universidade do Sagrado Coração. Durante sua apresentação Maingueneau desteceu os fios que dão unidade ao panfleto que o candidato encaminhou a todos os eleitores franceses durante o período eleitoral, os quais foram organizados de modo a criar uma imagem do político José Bové, como sendo uma alternativa, um candidato “diferente”, como o próprio Bové se autointitulava, marcando sua posição como a nova esquerda política.
O professor procurou mostrar como por meio de uma mera disposição das palavras um candidato acaba construindo um discurso vazio, de pouco conteúdo. E uma vez que algumas palavras chave estão jogadas, como “sindicalista”, “trabalhador”, “camponês”, sem qualquer aprofundamento, seu discurso, repleto de indeterminações semânticas, está sujeito a qualquer interpretação.
Já na sua primeira fala o candidato se apresenta como “diferente dos outros” e afirma não pertencer “a nenhum partido político”. No entanto, garante ser o “porta-voz de um agrupamento”. Ora, que agrupamento é esse. Afinal, essa ideia é de um certo número de pessoas unidas por uma causa, algo passageiro. Um partido, ao contrário, transmite a ideia de permanência, mais solidez. A noção de agrupamento seria apenas para justificar o fato de não pertencer a partido algum e uma solução verbal para um problema de coerência: Se ele não pertence a nenhum grupo político organizado, como se mostra como um porta-voz.
Bové procura se mostrar como uma alternativa moderna, uma nova esquerda, que incorpora nos seu discurso novos temas e preocupações mundiais, aliando feminismo e preocupação social, preocupações trabalhistas e ambientalistas. Muito esclarecedora também a relação a que Dominique chega ao analisar melhor o texto. Algumas passagens, frases, remetem o leitor à Queda da Batilha, um marco na história francesa, e convida-os para que a retomem. Ou seja, as palavras escolhidas aqui são cheias de significado histórico. Outras passagens, por sua vez, fazem referência ao hino do partido comunista
No panfleto do candidato temos também sua imagem frontal: A foto de sua face, mirando-nos como quem nos dirige a palavra olhando-nos nos olhos. A imagem é pacífica, com um fundo verde e azul, como seus olhos e reflexo da preocupação com a questão ambiental. O rosto é de um trabalhador, já marcado pelo tempo, com o bigode característico dos operários, sem abandonar a camisa xadrez, marca do camponês francês. Maingueneau nos diz que o rosto é a parte mais nobre do corpo humano, pois nos transmite ideias, valores e o mais importante, não tem contexto. O rosto é sempre o rosto. Pode-se estar com seus melhores trajes ou dentro de uma banheira, o rosto pode ser recortado e utilizado, permanece o mesmo. Ele é capaz de passar a noção de identidade e nesse caso específico o recorte da imagem mostra o homem que é a encarnação da união de três conceitos: ecologia, homem do campo e operariado. É o corpo encarnando o próprio discurso. Aliás, não por acaso encima dessa imagem temos uma frase solta “Um outro futuro é possível”, assinada por José Bové. Ai, de acordo com Maingueneau, não temos o político falando. A frase está fora do texto, ou seja, não tem gênero, é o sujeito total que se despe de tudo e nos mostra o homem que é. É o homem Bové, revelando-nos suas crenças, não só para os seus receptores enquanto eleitores, mas para quem quiser ouvir/ver. Fundamental é que Maingueneau esclarece que o discurso político não é explícito, mas ao jogar com categorias, palavras cheias de significado histórico, ativa os sentidos que cada um quiser. O professor afirmou ainda que sempre existirá a oposição esquerda X direita, embora seus discursos estejam em constante reconfiguração.

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